O chamado Polígono das Secas no sertão árido nordestino se revela imune às promessas retóricas de retirantes rábulas ilustres com a mesma indiferença demonstrada aos conselhos alucinados de Antônio em Canudos e à crença de Padim Ciço…
Vivendo a maior seca dos últimos 50 anos, o habitante da caatinga – longe do glamour de suas praias badaladas pelos que lá têm ilhas e pousadas – ainda procura água limpa pra beber e repartir com o seu boi, o seu jegue e o seu bode.
Eletricidade não precisa, desde que haja querosene, lamparina e lampião.
O que aflige é a sede, porque as fontes de água estão cada vez mais escassas.
Com exceção de Sergipe – que ainda tem 60% de água em seus reservatórios – os demais estados estão com menos da metade da capacidade de seus açudes: o Maranhão dos Sarneys e das Pedrinhas, tem 48%; Alagoas, Rio Grande do Norte e Piauí estão com 40%; a Bahia de Sobradinho, a Paraíba e o Ceará registram 30%; Pernambuco, de Luiz Gonzaga e Inácio, só tem 25% de água armazenada.
Em muitos municípios não há cisterna pra estocar a água. Logo, não passa nem carro-pipa.
Em outros vilarejos, alguém entregou cisternas de polietileno, pôs uma placa enorme da prefeitura e do governo federal, mas não levou o instalador.
A única água disponível – um líquido amarelo que lembra cerveja paraguaia – chega em potes trazidos no lombo do jegue que aguenta a viagem diária de duas léguas e meia…
E a esperança se concentra na estação das chuvas a ser trazida pelo carnaval!
Enquanto isso, lá no sudeste – onde se concentram os adeptos de São Pedro e o lampião não existe mais – a reza se intensifica na razão direta da água evaporada dos reservatórios pelo sol saariano.
Pela memória dos paulistas do sudeste e do centro-oeste ainda vivos, esse sol só ardia assim em Itapuã.
Descontada toda a água que ebuliu, os reservatórios têm agora menos de 37% de capacidade e, se não falta o que beber, pode começar a faltar hidreletricidade, que corresponde a 80% da energia que o Brasil gera.
Apesar do sol, a perspectiva é sombria porque a presente estiagem pode ser a antecipação da falta de chuvas sazonal que deveria chegar mais tarde, nos meses de outono e inverno.
E pra piorar a fervura, nunca se consumiu tanta energia como agora, com a descoberta do ar-condicionado e da capacidade de comprá-lo em terras tupiniquins.
Em janeiro, os brasileiros consumiram 10% mais do que no mesmo mês do ano anterior e o dia 6 de fevereiro registrou o maior pico de consumo de todos os tempos: 86 GW (gigawatts).
Apesar da alegada capacidade instalada de mais de 126 GW – mais do que suficiente para a demanda média brasileira de 67 GW – a produção de energia que chega à tomada do consumidor tem estacionado perigosamente ao redor de apenas 63 GW. Abaixo, portanto, do necessário – e suficiente pra levantar o fantasma do racionamento.
Dilma Rousseff – seca para ser reeleita – caiu na própria armadilha demagógica populista que montou, verborrágica, ao divulgar a redução de 1/5 no custo da energia elétrica: não pode se dar ao luxo de ceder à lógica de aumentar o preço pra reduzir o consumo e muito menos pagar o custo politico de um racionamento.
Tem apelado ao subsídio – 9 bilhões de reais em 2013 – e à cumplicidade de São Pedro, que, embora apolítico, não costuma resistir aos apelos do perdulário colega São Paulo…