O som mavioso

A formação jurídica ainda é a mais anacrônica dentre as desenvolvidas pela Universidade brasileira. Salvo raríssimas exceções, cada vez mais raras e excepcionais, o padrão de estudo das Ciências Jurídicas continua o mesmo dos tempos coloniais, à moda coimbrã.

 

Quando Pedro I transplantou o modelo da Universidade de Coimbra, com o intuito de formar a burocracia para o Império nascente, não deve ter atentado que o paradigma era o mesmo de Bolonha, do ano 800. Tinha mais de mil anos de experiência em 1827.

De lá para 2013, o que aconteceu no Brasil? Ressalvado o milagre das multiplicações das Faculdades de Direito, o ensino continua compartimentado. Disciplinas autônomas, entregues a regentes que em regra só conhecem aquele assunto, considerado o mais importante dentre todos os outros. Aulas prelecionais, avaliações baseadas na decoração de textos, pouca participação do alunado em pesquisa e extensão. Muito embora a Constituição de 1988 faça com que a Universidade se baseie num tripé: ensino, pesquisa e extensão.
O resultado é a preparação de bons “tocadores de processo”. A tendência adversarial empurra todos os problemas para o Judiciário. Não se investe na capacidade de argumentação, nas técnicas de conciliação amparadas pela estratégia da persuasão. Não é apenas para aliviar a Justiça dessa elevadíssima carga de processos, exagerada e patológica para um Brasil em que, a se levar a sério as estatísticas, seria o País do litígio. Noventa milhões de ações em curso, ou pelo menos 180 milhões de litigantes. Como se todas as pessoas estivessem a brigar umas com as outras.
Diante desse quadro, seria desejável uma consciência dos profissionais do direito que privilegiasse a concisão, a objetividade e abominasse a prolixidade. Mas não é o que acontece. Em todos os espaços, a verborrágica manifestação oral é a tônica. Seja nas sustentações orais, seja na leitura das decisões e dos votos. Todos se encantam com o som mavioso da própria voz e esquecem que há milhões de jurisdicionados à espera de soluções, não de retórica. Será que a petição eletrônica e a digitalização de todos os futuros processos coibirá essa praxe?