ULTILIDADES DA CANA DO SÉCULO 21

No passado, a cana servia apenas para fazer açúcar. No máximo, virava
cachaça. Na década de 70, os usineiros descobriram o álcool combustível e
viram nele um substituto viável para a gasolina. Agora, os canaviais estão
entrando num novo ciclo. As empresas estão investindo centenas de milhões de
reais e transformando o velho açúcar em produtos de tecnologia de ponta – de
realçadores de sabor para a indústria de alimentos até plástico para
embalagens. E já se fala até em fazer gordura saudável e ingredientes
anticancerígenos a partir do açúcar no futuro. O terceiro ciclo da cana só
está no começo. Mas há fortes apostas de que essa nova indústria substitua
parte das indústrias químicas do futuro. Fora do Brasil, a produção de
ingredientes a partir dos vegetais também é embrionária e ganhou o nome de
biorrefinaria – Cargill e DuPont são pioneiras e já produzem plástico a
partir do milho. No Brasil, há dois movimentos nessa direção. O primeiro é
de grandes grupos usineiros criando empresas especializadas ou fazendo
parcerias com multinacionais para fabricação de novos produtos a partir do
açúcar. O segundo movimento é liderado por grupos estrangeiros como a
japonesa Ajinomoto, que está transferindo toda a sua produção de lisina para
o Brasil para aproveitar a tecnologia e o custo baixo de produção de açúcar
do país. No exterior, a lisina é feita a partir do milho e da soja. No
início desse ano, a Degussa inaugurou um centro de biotecnologia, na
Alemanha, para desenvolver produtos e processos baseados em matérias-primas
naturais. O Brasil, por conta da cana, é considerado pela companhia um país
rico em oportunidades desse campo. A Degussa já fabrica aminoácido nos EUA e
Europa. “O Brasil pode tirar vantagem porque consegue produzir o álcool e o
açúcar mais barato do mundo”, diz Fernando Reinach, presidente do conselho
da Cana Vialis, empresa de biotecnologia do grupo Votorantim. “O país pode
virar uma espécie de Arábia Saudita da ‘plantoquímica”. A Usina São
Francisco e a Usina da Pedra também entraram nesse novo ciclo. Elas são
sócias da Biocycle, empresa que desenvolveu o primeiro plástico feito de
açúcar do Brasil. A produção ainda é pequena – a empresa vende 50 toneladas
por ano para Europa, Ásia e EUA, onde o maior cliente é o governo. “Mas, no
longo prazo, metade da produção pode migrar para o biopolímero”, diz Sílvio
Ortega, diretor da Biocycle. Enquanto algumas usinas partem do zero, outras
se aliam a multinacionais para produção de subprodutos do açúcar. A Usina
São Martinho, que pertence a uma ala da família Ometto, firmou uma parceria
recente com a japonesa Mitsubishi para produzir leveduras. O Brasil atingiu
um alto nível de tecnologia de produção de açúcar. “O custo de uma
plantoquímica dentro de uma usina quase desaparece. “A tendência desses
produtos é só aumentar”, diz o pesquisador da Unicamp, Isaías Macedo. Na
última reunião de apresentação de resultados da Braskem, o presidente da
companhia, José Carlos Grubisich, falou aos acionistas sobre a possibilidade
de construir, uma fábrica para produzir plástico a partir do etanol. A
empresa já teve uma fábrica desse tipo no passado, mas teria que atualizar a
tecnologia de produção para entrar nesse mercado. O preço do etanol ainda é
alto perto do petróleo e há o temor de faltar matéria-prima no período de
entressafra da cana. O exemplo da Braskem é um bom indicador dos novos
tempos. “As empresas químicas não pensam no curto-prazo. Algumas já estão
fazendo a migração porque estão calculando o preço do petróleo daqui a
quinze anos”, diz Fernando Reinach, presidente do conselho da Cana Vialis,
empresas de biotecnologia do grupo Votorantim. O etanol tem um grande
potencial além do combustível. Ele também é visto como importante substituto
do petróleo na indústria química. De fato, o petróleo ainda é uma
matéria-prima barata, mas é um recurso natural esgotável. Pior: é poluente.
O etanol, ao contrário, tem um forte apelo ecológico. “O CO2 gerado nesse
processo é o mesmo retirado da atmosfera pela planta (cana-de-açúcar) na
fotossíntese lá na lavoura. O balanço de CO2 é zero, não causa aquecimento
global”, diz Reinach. “Um produto feito a partir do etanol é bom para a
imagem da empresa. Pega bem perante o consumidor”. Segundo Reinach, os
químicos sabem produzir quase tudo a partir das plantas. Mas eles só não
colocam a teoria em prática por questões econômicas. Por enquanto.