Um caos vital

A mutação contínua é inevitável. Nosso corpo se altera a cada momento. Mal se nasce e se começa a morrer. As células se renovam e acompanhar seu ciclo vital no microscópio evidenciaria espetáculo indescritível.

Por que o medo da mudança? Por que a resistência a ela? A zona de conforto é desconfortável para a lucidez. A releitura de Nietzsche, o provocador, pode ensejar sadia reflexão: “é preciso ter ainda um caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela que dança”. A maior parte do comodismo tem ojeriza ao “caos dentro de si”. Prefere a inércia e a segurança das antigas convicções, às quais o espírito já se amoldou.

O artista possui sensibilidade hábil a conviver com o caos. “Prefiro ser metamorfose ambulante a ter aquela velha certeza sobre tudo”, já se proclamou.

O mundo jurídico vive o desafio de solucionar questões novas à luz das verdades congeladas. Quantos anos passarão antes de nos convencermos da insensatez de distribuição eletrônica de questões idênticas a dezenas de julgadores diferentes? Em nome de uma desejável imparcialidade, faz-se de alguns julgamentos uma rotina, com a substancial reiteração de teses, cuja variação é epidérmica. Pequenas alterações de vocabulário e de estilo. Mas a conclusão é a mesma.

Não parece mais lógico detectar o surgimento de uma controvérsia que pode ser sazonal e, após breve debate, responder por atacado ao questionamento? Quanto se pouparia de tempo, sempre escasso e de dinheiro, mais escasso ainda, se os núcleos temáticos merecessem tratamento homogêneo?

Os esforços levados a efeito nos Tribunais Superiores ainda não produziram o resultado que se anseia, porque há uma demora no enfrentamento. Centenas de hipóteses são afetadas por repercussão geral e o ritmo para decidi-las ainda não coincide com as expectativas da sociedade, aflita por orientação consolidada.

Um universo chamado a auxiliar a população a navegar pela turbulência da pós-modernidade – essa a missão da Justiça – não pode permanecer tranquilo e ignorar que tudo passa. As coisas relativas têm o seu tempo. Não precisam se eternizar.

Adiar o encontro com as exigências contemporâneas é fabricar um deserto de confiabilidade. Voltemos a Nietzsche: “o deserto cresce; ai daquele que oculta desertos“.