Um estranho no ninho

Enquanto aqui na armada América a marijuana vai se tornando o principal ingrediente até do donut das criancinhas, destinando-nos a dois únicos grandes grupos – o dos famintos ou o dos mucho locos – o Brasil segue, à deriva, o seu rumo…

Pelo menos foi assim, perdendo a tramontana, que vivi minha recente aventura na minha terra natal, onde exercitei a minha porção – predominante, confesso – tupiniquim, o que há tempos não fazia.

Revi lugares e pessoas que me remeteram aos felizes dias da minha mocidade distante, em que pessoas e lugares passavam mais desapercebidos que agora, quando disponibilizá-los é bem mais difícil, eis que não estão mais ao alcance das mãos, ao meu bel-prazer.

Mas o que eu queria comentar aqui é que o Brasil de hoje é ainda muito mais parecido com o de ontem – apesar da retórica sobre prosperidade reinante – do que supõe a vã filosofia dos poderosos falaciosos de plantão…

O trânsito caótico – agora em vias expressas – ainda lembra o das ruelas antigas, embora agravado pelo enorme volume de tráfego e pela procura frenética e egoísta da vaga que permitirá economizar os cinco reais do estacionamento pago, imprescindíveis ao pagamento da prestação de dois mil e quinhentos reais da Mitsubishi importada.

A propósito, o caminhão estacionado, obstruindo a congestionada e perigosa esquina da rua Professor José Tavares com a Silva Jardim no Vianelo – bairro que nos deu o atual prefeito – ainda é o mesmo.

Esse caminhão – de uns 200 m2 – tem estado lá há tanto tempo que deve ser possível vê-lo pelo Google Earth!

Seria de algum parente do nosso alcaide ou um simples caso de usucapião?

Os bancos, as repartições públicas e os cartórios continuam cheios de cidadãos de semblantes pesados – angustiados? – e da esperança de que agora vai, aparentemente em ambos os lados: o que serve e o que é servido.

Como se todos pudessem lê-los, as paredes ostentam cartazes que descrevem a missão solene de atender os contribuintes, ao mesmo tempo em que os ameaça com o artigo 331 da Constituição: desacatar funcionário público no exercício de sua função ou em razão dela sujeita à pena de detenção, de seis meses a dois anos.

Na companhia de luz e força, as telas dos computadores em modernas mesinhas congelam na mesma frequência em que os ânimos esquentam.

Na DAE – saudade de quando era o DAE – dos dez guichês existentes, três estão sempre ocupados com funcionário e consumidor estressados, tête-a-tête, onde o primeiro tenta acalmar-explicando o porquê da água cortada, e o segundo jura, esbravejando, que não pagou a conta porque se trata de vazamento antes do relógio!

Lembrei-me do tempo em que gato era apenas um felino de estimação…

Entendi também porque meu avô italiano, ao chegar mais morto do que vivo aos guichês da terra prometida, aceitou ser chamado de Giuseppe ao invés de Giovanni, dado que o seu sonho justificava tais meios, numa abnegada antecipação do Poupa Tempo dos nosso dias.

E ele nem precisava provar, com documentos autenticados, que focinho de porco não era tomada, porque todo mundo sabia o que era um nariz suíno…

Por outro lado, com o progresso, muita coisa também ficou diferente na minha terra.

Apesar do maior risco, as pessoas ostentam mais e, adaptando-se ao propalado aumento da renda, a picanha está agora a preço de ribeye, e o frango assado do mercadão custa 4 dólares a mais do que o do mercadinho na Flórida, sem mencionar que a conta do jantar no Outback lotado do novo Shopping parece incluir o custo da passagem pra comer lá no de Orlando!

Isso explica porque o brasileiro vai cada vez mais ao exterior… Quem aguenta gastar tanto?

Eu sugiro ao pessoal da realeza, ufanistas que insistem em nos forçar goela abaixo o Brasil-maravilha de que reinvidicam a criação, que se disfarce de mendigo – como aquele rei incógnito – pegue a sua senha, sente ao lado dos seus súditos e espere a vez de ser chamado pra se explicar no guichê… Sem desacatar o funcionário!