A vida humana…
Do obstetra na cisão tempestiva do cordão umbilical à incisão prematura do legista…
Do primeiro choro, seguido de risos aliviados dos pais, ao último suspiro antecipado pelo tiro, seguido de choros que nunca mais vão parar…
Da procura frenética e festiva dos traços familiares no berçário à suprema angústia de identificá-los no necrotério…
A violência entre os humanos está em toda parte, eis que o homem civilizado não consegue se desvencilhar de seu gene selvagem, muitas vezes dominante.
Os americanos, perplexos, estão – de novo! – em comoção nacional diante do horror de ver suas crianças assassinadas, e de achar a razão pela qual um jovem evidentemente perturbado entra numa escola primária e atira centenas de vezes em quem estivesse pela frente, a maioria deles crianças de 6 e 7 anos de idade, deixando um rastro de 26 corpos na escola, incluindo o seu.
A nação inteira se dedica agora a encontrar respostas a perguntas que pudessem levar ao criminoso antes que ele tivesse se materializado:
Quem o criou? Ele estava nas forças armadas? Gostava de video-games? Era membro de alguma seita? Era um doente mental e ninguém prestou atenção aos sinais, que deveriam ser tão evidentes?
De alguma forma, se construirá uma história que faça sentido, e que teria levado a tal desfecho, porque o desfecho é a única parte dessa história que se conhece em toda sua trágica plenitude.
Na verdade, há apenas um único fato que faz tal violência, embora chocante, de certa forma compreensível:
Esse homem vive num país em que qualquer um consegue comprar armas – de qualquer calibre e capacidade destrutiva, que lhes dê o poder automático de matar maciçamente – com praticamente o mesmo esforço exigido pra comprar um maço de cigarros ou encher o tanque de seu carro…
Isso tem que mudar!
É preciso que se enfrente o lobby da poderosa indústria de armas americana e que se assuste, pela mobilização dos cidadãos, os legisladores que sucumbem à força financeira desse lobby.
Tais tragédias têm se tornado insuportavelmente comuns nos Estados Unidos, e a indignação geral tem um ciclo conhecido: a mídia dá destaque ininterrupto, os cidadãos se revoltam, os debates se intensificam, o foco vai gradualmente se concentrando no autor dos disparos e sua história…
Fica tudo explicado e a vida segue em frente pra maioria, eis que não foi esta que perdeu os seus filhos…
O pior destino do bem é a acomodação coletiva diante do mal.
Em qualquer país, as pessoas perdem o emprego e ficam furiosas.
Alguns têm distúrbios mentais e fantásticos delírios. Outros, viciados em drogas, são capazes de tudo pelo seu vício e, se privados do acesso, buscam vingança.
Em todo lugar há gente lunática, gente arrasada por desgraças pessoais, ou gente com ódio suficiente pra matar.
O que faz a América especial é o tamanho do dano que essa gente é capaz de causar.
É inadiável que se determine, pelos homens de bem agora inconformados, que seja muito, muito mais difícil, também para si mesmos, o acesso às armas, antes que se acomodem de novo.
Pelo menos enquanto as armas não puderem detectar se estão sendo usadas pra atacar ou se defender…