Se existe um dos raros consensos no Brasil de hoje é o de que precisamos de muito trabalho, sacrifício e esforço para sairmos do atoleiro. Em todos os sentidos. Em relação aos valores, em evidente declínio. Já na UTI, onde se encontra também a ética terminal. Mas na economia, na saúde, na educação, na infraestrutura, no meio ambiente.
Um dos atestados de indigência civilizacional é o que fazemos com aquilo que eufemisticamente chamamos de “resíduo sólido”, cuja tradução singela é “lixo”.
Não há cidade, rua, praia ou espaço brasileiro em que se não encontre o testemunho de nossa ignorância. Produzimos lixo adoidado. Desperdiçamos um tesouro que poderia ser reaproveitado. Algo que é comum em países civilizados, nos quais a logística reversa é uma eloquente realidade.
Aqui, pródigos produtores de legislação, temos desde 2010 a lei que determinou a obrigatoriedade da oferta de coleta seletiva de lixo pelos municípios. Mas nem 20% deles cumpre a lei. Mais uma daquelas “leis que não pegam”. Ao sabor das conveniências.
Apenas 1.055 dos 5.570 municípios oferecem coleta seletiva. Mesmo assim, em muitos deles, só parcialmente. E dentro desse minúsculo universo, pois só 15% da população é atendida pelo serviço, há irregular utilização da coleta. Joga-se todo tipo de descarte sem atentar para os recipientes com destinação específica.
Por que se deve cuidar disso? Por uma série de razões. A preservação do ambiente é a maior angústia humana. Somente a ignorância crassa faz piada com as rigorosas nevascas e afirma que não existe aquecimento global já que o Inverno é tão severo como nunca foi. A natureza está se vingando, pois se cansou demandar sinais ignorados por nossos ouvidos moucos.
A reciclagem é uma questão de economia. Como pobres ignorantes, deixamos de utilizar tesouro incalculável, suscetível de aproveitamento. Com isso, agravamos as contas já enfermas dos municípios, que têm de gastar com coleta de lixo, varrição, recipientes para recolher descarte, manutenção de aterros sanitários, regularizar lixões a céu aberto e tantas outras evidências de nossa miséria cívica. Uma verdadeira cidadania seria a primeira zeladora do ambiente saudável e agradável das cidades.
É uma questão de saúde. Os “lixões” são fonte perene de enfermidades. Assim como os aterros sanitários irregulares. Os córregos poluídos. As praias conspurcadas. O ar fétido gerado pelo abandono daquilo que apodrece em plena via pública.
Tudo é reciclável, tudo tem valor econômico, tudo é importante para um País que não consegue sair do subdesenvolvimento moral. Pois a negligência com que se trata essa questão é uma evidência de nossa imaturidade.
O sucesso que podemos anunciar nessa área não é tanto resultado de uma consciência ecológica, senão um outro fator comprobatório de nossa desigualdade social. É o aproveitamento do alumínio das latinhas de refrigerantes e cervejas. Em 2015, foram produzidas 294 mil toneladas. Dessas, 290 mil toneladas foram recicladas. Quase 98,4% do total. Mas isso significa apreço ao ambiente? Ou seria mais um sinal de que a pobreza precisa sobreviver e, já que o desemprego supera a casa dos doze milhões, a fome obriga o desempregado a procurar latinhas nas latas de lixo.
Pois se houvera real empenho em defender a natureza, o mesmo ocorreria com o papel e papelão, abundantemente espalhado pelas ruas, a entupir as bocas de lobo, a gerar inundações, a empestear o ambiente. E as garrafas pet, e o excesso de plástico, e tudo aquilo que a mentalidade consumista, arrematada por um egoísmo atroz, joga nas ruas à espera de que o governo recolha e dê destinação. Educação é a receita para todos esses males.
Educação que tem que começar no lar, com a economia na utilização daquilo que é finito e com a formação de uma consciência cidadã. Quem ama seu País quer que ele seja limpo. Quem suja as ruas e as praias detesta o Brasil. Essa a lição que as mães, principalmente elas, devem ministrar diuturnamente à sua prole. Comecemos pelo essencial. O mais, virá por acréscimo.
JOSÉ RENATO NALINI é secretário estadual de Educação e docente da Uninove