A decência ainda tem vez?

A morte de George S. McGovern, há poucos dias, abre oportunidade para algumas reflexões. Ele foi considerado por Robert Kennedy “o homem mais decente do Senado”. Em 1972, disputou a Presidência dos EUA com Richard Nixon. Era considerado um “quadradão” de Dakota do Sul, filho de um pastor metodista e de ter passado a maior parte de sua vida em pequenas cidades do interior.

Perdeu as eleições para Nixon, que depois mostraria sua verdadeira face. Mas deixou lições muito válidas para todas as Democracias. Ele participara da 2ª Guerra Mundial e se horrorizara com a tragédia de uma luta em que vidas eram ceifadas sem contemplação. Indignava-se com os “guerreiros de gabinete”, que enviavam jovens para morrer em nome de ficções como “soberania”.

Tinha um critério moral de que não abdicava, mesmo quando isso pudesse por em risco suas ambições. Ao discursar durante a campanha num colégio em Illinois, ele exortou o povo americano a chorar não só pelos americanos mortos no Vietnã, mas também pelos vietnamitas vítimas das ações militares americanas. Chocava-se com a insensibilidade em relação às mortes dos inimigos e insistia em despertar a consciência de seus conterrâneos.

Para ele, o americano deveria encarar sua própria responsabilidade pelas consequências da guerra e abandonasse “aquilo do nosso caráter que nos desviou do caminho e nos afastou da verdade de que os vietnamitas são, como nós, filhos de Deus”. Evidente que isso irritava os políticos mais interessados na próxima eleição do que na ética norte-americana, que sequer lembrava a intenção dos federalistas. Por isso McGovern foi acusado de “moralista ranzinza enfurecido com seu país”.

É óbvio que políticos que perdem as eleições vão residir no ostracismo. A vitória tem muitos pais. A derrota é órfã. Mas se a civilização fosse de fato “civilizada”, a luta moral não seria em vão. Ao contrário, deveria mostrar que numa vida humana tão curta – algumas décadas e nada mais – o bom exemplo fica, deve ser seminal, germinar e frutificar, para que não expire a esperança em uma humanidade mais sensível, mais ética e, em síntese, mais humana.