Os argumentos sobre austeridade e cortes nos orçamentos têm sido proferidos com fanatismo religioso, até entre ateístas e agnósticos…
Para alguns – tais como Wolfgang Schäuble, o Ministro das Finanças alemão, ou George Osborne, o seu colega britânico – uma política fiscal mais austera é a cura da dívida pública.
Para outros respeitáveis pensadores, aumentar a austeridade nas circunstâncias atuais significa piorar ainda mais as coisas: decidir pela simples redução do déficit quando a economia está debilitada conduz à estagnação e aumenta o ônus do débito diante da arrecadação sufocada.
A emoção e, mais ainda, o interesse politico suplantam a razão, e os antagonistas negligenciam as evidências.
Os opositores da austeridade se justificam pela recente análise do Fundo Monetário Internacional, que sugere que o aperto fiscal na Europa tem saído pela culatra.
Já os defensores do arrocho governamental enfatizam os erros de cálculo daquela análise, haja vista os diferentes desempenhos dos países considerados.
Na maioria dos casos, a questão não parece ser a ineficiência dos cortes, mas a ineficácia devida à identificação errada do local da incisão…
A alegação de que a redução no orçamento público estimula o crescimento – muito comum há um par de anos – se tornou desacreditada diante dos resultados que se pôde observar.
A parcimônia governamental pode ser expansiva quando leva a uma drástica queda nas taxas de juros, o que não é o caso dos nossos dias, em que muitos países já praticam juros próximos do zero, ao mesmo tempo em que consumidores no sufoco estão tentando conter seus gastos para não sucumbir, despudoradamente, ao calote generalizado.
Diante do que se apresenta, reduzir de forma indiscriminada o gasto público pode ferir a demanda – e a arrecadação – muito mais letalmente.
As violentas reações de trabalhadores sem emprego na Grécia, Espanha, Portugal, Itália et al colocam mais lenha na fogueira que se monta pra queimar a bruxa Austera.
Entretanto – e apesar de todo o dano politico! – isso não significa que a ênfase na consolidação fiscal está equivocada.
Muitas nações que optaram por um maior aperto fiscal, especialmente aquelas da zona do euro, não tiveram outra escolha, eis que os investidores passaram a rejeitar os seus bonds, e o socorro financeiro das colegas européias se condicionou diretamente à força da torquês.
E, também, gastança sem miséria pode acabar levando à mesma…
Aparentemente, a eficácia está em como a austeridade deve ser aplicada, e quais outras medidas precisam acompanhá-la.
A experiência dos últimos anos depõe contra o corte súbito e generalizado, e, acima de tudo, revela o erro de apertar o cinto público ainda mais quando a economia piora por efeito colateral inesperado, indicando que homeopatia seria melhor remédio.
Quanto às medidas coadjuvantes, a maior lição que se tira é que austeridade machuca mais quando não vem acompanhada de um bom relaxamento monetário, a julgar pelos exemplos daqueles países da União Europeia, onde se cortou de maneira apressada e mais profundamente, e o Banco Central Europeu (ECB, na sigla em inglês) fez muito pouco pra impedir.
O que se depreende do que se vê é que não dá pra caracterizar a tão falada austeridade como algo absolutamente bom ou ruim, ou seja, não é matéria pra ser tratada por maniqueístas, sob pena de serem chamados novamente de manés, como aquele profeta persa, ancestral da espécie.
E, afinal, como dizia o saudoso Joelmir Beting, talvez inspirado pelo padre Donizetti, de quem foi coroinha em Tambaú: quem não deve não tem…