Enquanto a maior queimada de sua história pinta a Floresta Negra do Colorado de cinza – quase 500 casas já foram destruídas, duas pessoas morreram e menos da metade do fogaréu foi contido – a tempestade de controvérsias em Washington vai materializando um momento raro nestes tempos polarizados na política americana: um mancomunado “eu não disse?” tanto da direita como da esquerda, como se republicanos e democratas tivessem criado uma banda musical de polifônica harmonia, especializada em apresentações a cappella…
Aproveitando-se das iniciativas do Executivo – com Obama à meia-luz, às voltas com indices de popularidade cada vez mais baixos – os Repucratas do Congresso se solidarizam nas críticas ao governo federal.
Com a economia em sólida recuperação, o foco se concentra agora em segurança, na batalha contra a guerra santa de pau oco dos terroristas e sua intromissão suicida na vida – descartável – dos outros.
Ocorre que terrorista se parece muito com humano, e a única maneira de detectar a diferença é justamente bisbilhotar o comportamento de toda a raça, o que esbarra na sacrossanta privacidade dos americanos.
E o braço do governo central não pode, jamais, ser mais longo que o braço da lei…
O fato da Receita Federal americana (IRS – Internal Revenue Service) ter colocado na malha fina grupos políticos conservadores – leia-se republicanos – por possível violação das regras de isenção de impostos durante as eleições de 2012, o Departamento de Justiça ter intimado a Associated Press a apresentar suas ligações telefônicas e a Agência de Segurança Nacional (NSA – National Security Agency) querer escarafunchar as conversas e as navegações pela Internet – central nervosa da vida do século 21 – entre os indivíduos, reacende a recorrente contestação sobre o alcance e o custo de governo, controvérsia que vai muito além das diferenças ideológicas entre os partidos politicos.
Edward Snowden, um ex-funcionário contratado pela NSA – para uns, um heróico denunciador dos abusos governamentais; para outros, apenas um alcaguete agente duplo a serviço dos chineses tentando bancar o santinho, como diria a Rita Lee – “revelou” que Washington tem mais de 60.000 operações de espionagem cibernética em todos os cantos do planeta, e que a NSA tem hackeado computadores em Hong Kong e na China, desde 2009, em universidades, serviços públicos, empresas e mesmo as pessoas ordinárias em suas vulneráveis redes sociais.
É a indignação pela suposta perda da liberdade individual – e não a afeição subitamente despertada entre desafetos! – que provocou o comovente agrupamento no Legislativo do Tio Sam, grupo esse que ainda se reserva o direito de manter sua pistola carregada para o caso de uma eventual recaída na incompatibilidade dos gênios…
O livro Nineteen Eighty-Four (1984), escrito pelo inglês George Orwell e publicado em 1949, e o arqui-inimigo Big Brother nunca estiveram tão atualizados na América!