Ferragosto

A expressão “Ferragosto” em italiano deriva do latim “feriae Augusti” (“descanso de Augustus”) e se refere a uma série de celebrações estabelecidas pelo fundador do império romano, o imperador Augustus, no ano 18 AC.

Embora já mais politizadas, tais festividades se somavam aos chamados festivais da Roma medieval, em louvor à colheita e ao final das principais e mais exaustivas atividades agrícolas.

Representavam o descanso necessário, prevenindo que homens e animais exauridos pelo trabalho duro nos campos perdessem a capacidade física de plantar a próxima safra.

Pagava-se tributo aos deuses – particularmente Diana – e ao ciclo da fertilidade e à maturação dos alimentos.

“Inventado”, em auto-homenagem, por Augustus, agosto é o mês da Assunção de Maria nos países católicos, do “cachorro louco” brasileiro (1), da aversão das portuguesas ao casamento (2) e dos argentinos não lavarem a cabeça porque faz mal ou dá azar (3)…

Superstições à parte, o que mais aparece em agosto é o que tenho visto do meu posto de observação na terra do Tio Sam, enquanto na minha terra o IDH passa de muito baixo pra muito alto:

Na América daqui, os esquilos, informados de algum modo sobre a tal fertilidade, se agitam e se pegam entre si num vale-tudo de altíssima velocidade e destreza nos galhos da árvores, disputando a esquila disponível, enquanto constroem ninhos e armazenam as castanhas do carvalho pro inverno e pro leite dos filhotes que vão criar.

E os falcões predadores se ouriçam na esperança de um momento de qualquer desatenção pra estragar a festa, eis que também tem filhotes pra criar e ensinar na difícil e incompreendida arte de viver …

É também quando começa a fase mais importante do ano letivo nas universidades e a Gainesville-dos-estudantes se agita como os esquilos, com os jovens emancipados – mais pela cultura e menos pelas idades – chegando de toda parte procurando um lugar pra chamar de seu, dos amigos e de mais ninguém, lembrando a chegada sazonal de aves migratórias e os esquilos fazendo o ninho.

Atualmente, embora quase nada mais seja produzido com a força das mãos e a ajuda de bois e de mulas, a tradição da preservação da capacidade física evoluiu para o cultivo do ócio …

Os italianos literalmente param com o trabalho e saem – frenéticos, como se também estivessem no cio – pra todos os lados e os turistas só não estão perdidos nas ruas porque ninguém sabe mais pra onde está indo…

Os congressistas americanos iniciam o seu recesso de verão de cinco semanas, não necessariamente pra recuperar a capacidade física como no tempo dos camponeses dos imperadores, eis que o Congresso tem dado a impressão de viver em férias constantes, que não desgastam tanto quanto o trabalho no campo…

Enquanto o americano ordinário – a quem representa! – só consegue duas semanas por ano.

E quase nunca no Ferragosto!

 

(1) A crendice popular em relação aos cães encontra respaldo no fato de que há uma maior concentração de cadelas no cio no mês de agosto – dada as condições do clima e a maior probabilidade de fartura para os filhotes na primavera e no verão vindouros.

Os machos disputando as fêmeas se tornam mais agressivos (“loucos”), além da possibilidade maior, nas brigas, de transmitirem doenças, entre elas a raiva.

(2) Quanto à resistência das raparigas ao casamento, diz a tradição que se devia à partida dos barcos de expedição, que saíam pra explorar – em todos os sentidos – novas terras, levando sob suas velas todos os gajos disponíveis.

A cachopa recém-casada ficava, literalmente, a ver navios.

(3) Em relação a esse folclore argentino, eu, particularmente, acho que é só maldade de torcedor de futebol…