Justiça na UTI

O Poder Judiciário foi muito prestigiado pela Constituição de 5 de outubro de 1988. Foi o texto fundante que mais acreditou na solução judicial dos conflitos. Alargou de tal forma o acesso à Justiça que um dos efeitos foi a multiplicação dos processos. Tramitam hoje, por todas as instâncias do Brasil, cerca de 100 milhões de ações!

 

Algo está errado quando um país que só agora atinge 200 milhões de habitantes paga pelo trâmite de 100 milhões de processos. Pois se cada processo tem pelo menos duas partes, chegaríamos à conclusão de que todo o Brasil litiga. 

Sabe-se que isso não é totalmente verdadeiro. A Justiça comum paulista, por exemplo, tem 20 milhões de processos, dos quais 12 milhões são execuções fiscais. Ou seja: cobrança de dívida ativa. Em sua imensa maioria, proveniente dos municípios. É o IPTU que as pessoas deixam de pagar, embora paguem IPVA, IR e todas as demais verbas embutidas em qualquer aquisição de bem ou de serviço. 

Mas não é só o excesso de ações que mostra uma patologia da Justiça. É a preservação de um modelo sofisticado de Judiciário: duas justiças comuns e três especiais. Mais o Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias, muitas carreiras jurídicas. Três mil Faculdades de Direito, arremessando ao mercado dezenas de milhares de bacharéis a cada semestre. Todos eles lutando por aprovação do credenciamento junto à OAB. 

Essa comunidade jurídica precisa repensar, com urgência, o modelo de Justiça brasileira. Dois aspectos mereceriam imediata atenção: estimular as alternativas à solução de controvérsias sem que seja necessário provocar o Judiciário. Uma ação judicial é um instrumento caríssimo para a população. Basta exemplificar que um executivo fiscal custa ao Erário cerca de 1300 reais. Conclui-se que qualquer execução inferior a esse valor é nefasta. O segundo aspecto é liberar o Judiciário de tudo aquilo que não é real conflito. A começar pela cobrança da dívida ativa do Governo. Isso precisa ser administrativizado, como acontece nos países civilizados. Sem isso, o Judiciário continuará na UTI, sem previsão de alta. E quem não deixa a UTI curado, não tem o melhor destino…