Mais uma vergonha

O Estadão noticiou que a Presidência da República teria cancelado a visita de uma inspetora da ONU que chegaria ao Brasil estes dias para examinar como anda o acesso à água e ao saneamento básico. Segundo a ONU, nos últimos anos o Brasil só melhorou 1% em relação ao imprescindível serviço de acesso a água limpa e a tratamento do esgoto doméstico.

Isso significa que 4% da população brasileira, ou uma população equivalente à de todos os habitantes de Portugal, ainda se servem de privadas sem ligação com tratamento de esgoto. É inacreditável que o Brasil empregue bilhões em obras suntuárias para a Copa, desperdice bilhões em propaganda oficial, permita que autoridades usufruam de transporte oficial, se hospedem nos hotéis mais dispendiosos – mesmo em viagem a País que conta com mais de uma Embaixada – e mantenha boa parte de seu povo em condições tão primitivas.

A representante da ONU não recebeu qualquer justificativa para a negativa. Ela só teria um dia de encontro com autoridades brasileiras. No mais, visitaria São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e outras grandes cidades. Ela estranhou que no Rio de Janeiro as favelas continuem sem tratamento condigno do esgoto doméstico mas já disponham de teleféricos. Estaria errado quem viesse a presumir que essa negativa sem causa tem razões até compreensíveis, sob a ótica do governo?

Ou seja: uma voz externa a mostrar mais uma chaga no Brasil do “nunca antes neste país”… poderia legitimar mais manifestos populares. Afinal, ninguém ainda viu cartazes pleiteando saneamento básico, esgoto e privadas decentes para a população excluída. O baixo investimento na infraestrutura imprescindível à saúde não é cacife eleiçoeiro. Tudo o que fica sob a superfície é considerado sofrível cabo eleitoral.

O Ibope precisa de luzes feéricas, exibicionismo, personalismo exacerbado, tudo bem na linha da cultura da aparência e da fantasia que inspira o poder popularesco em todo o globo. Enquanto isso o povo se satisfaz com bolsas, com Copas, com ufanismo, culto à personalidade, crença no poder supraterreno dos insubstituíveis. Iguais àqueles que hoje estão esquecidos nos cemitérios.