Perdas macroscópicas

Em poucos dias, o Brasil perdeu Ivan Junqueira, Rubem Alves, Ariano Suassuna e João Ubaldo Ribeiro. O céu deve estar sentindo falta de eruditos. Mas a Terra também é carente. Fica a cada dia mais pobre.

Pobre porque não descobriu a receita para a paz. Guerras fratricidas, ódios acumulados, preconceitos exacerbados. Violência por todo o canto. Haverá esperança para a Humanidade? Crescem os roubos, escasseia a água.

A crise é muito mais grave e séria do que se anuncia. Mesmo assim, age-se como se a abundância ainda fosse a regra. As pessoas são insensíveis, não escutam a advertência de que em breve haverá forte racionamento. Continuam a sonhar sob os chuveiros, a lavar passeios e carros. Deixam a torneira aberta e querem que apenas os outros economizem.

A propósito dessa falta d‘água, que coincide com a perda macroscópica de gigantes da literatura, dois fatos interessantes. Ignácio de Loyola Brandão escreveu há mais de 30 anos um livro profético: “Não verás País como esse”, em que as últimas gotas dos rios e córregos extintos estavam recolhidas em pequenas garrafinhas numa espécie de “Museu da água”. Profecia? Parece que chegaremos lá.

A FLIP, que endeusa autores estrangeiros, trouxe o escritor paquistanês Mohsin Hamid, que escreveu “Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente”. Conta a estória de um jovem que resolveu engarrafar água da torneira e vende-la como se fora mineral. Para o autor, “a água sempre foi grátis. Se estamos vivendo num mundo em que é preciso trabalhar e ganhar dinheiro para compra-la, estamos ultrapassando uma fronteira civilizacional. Estamos vivendo uma situação que a humanidade nunca viveu antes”.

Sua cidade natal, Lahore, lembra um pouco São Paulo, pois ali também há falta de água para boa parte da população, “enquanto temos casas grandes com piscinas e fontes”.

A metáfora não pode deixar de surgir: rareia a água pura, sem a qual não há vida. Vão desaparecendo as grandes figuras literárias, provocando uma seca de ideias, de criatividade e de talento. A falta de memória garante uma sobrevida de alguns meses após a morte. Depois disso, tudo cai no esquecimento. A vida continua. Triste e sem perspectivas, mas a oferecer desafios aos que ainda têm sua peregrinação a cumprir.