O “Arquivo Aberto” é uma coluna interessante da Folha de São Paulo publicado no “Ilustríssima” a cada domingo. Por sinal, o caderno único sobre cultura dos grandes jornais paulistas. No dia 14 de abril deste ano, André Barcinski escreveu “Clodovil esnobou o Motörhead”. Contou um episódio ocorrido em 1989, quando foi fotografar a banda de rock chamada Motörhead.
Diz que “todo fã de rock pesado venera o Motörhead e seu líder, Lemmy Kilmister. Nascido na véspera do Natal de 1945, Lemmy é uma lenda do rock, um ícone da vida libertina e hedonista”. Não sou exatamente um fanático do rock pesado. Mas nasci também na véspera do Natal de 1945. Não tive a vida venturosa de Lemmy, que primeiro atuou como baixista do Hawkwind, uma comuna/gangue que vivia a consumir LSD e tocava uma animalesca mistura de punk e rock progressivo.
Foi demitido dessa gangue por mau comportamento, foi preso na fronteira dos EUA e Canadá por porte de drogas e fundou o Motörhead, gíria usada para identificar os viciados em anfetaminas. Escreveu uma autobiografia: “White Line Fever”, onde conta que bebe uma garrafa de Jack Daniel´s por dia, já dormiu com 1200 mulheres e resolveu doar seu corpo à ciência, para que alguém estude o segredo de sua longevidade. Onde entra Clodovil nisso tudo?
Ele se hospedava no mesmo hotel e não quis ser fotografado com a banda. O Clodovil que fazia os vestidos de Rosa Scavone, chegou a organizar festas de casamento em Jundiaí, foi deputado federal, perseguido porque derrubou árvores para construir sua casa em Ubatuba e faleceu há pouco. Deixando mais dívidas do que patrimônio. Interessante é que eu nunca ouvira falar de Lemmy Kilmister, que nasceu no mesmo dia em que nasci, levou uma vida bem diferente – e bem mais movimentada – do que a minha.
Também não sabia que era um mito e que muito longe em termos de façanha competiria com ele Keith Richards. As memórias que viram histórias de quando em vez sugerem coincidências – ou seria a lógica de Deus? – que suscitam reflexões e devaneios como este. Vejam como uma coisa puxa outra, sem que nos demos conta da rede de relacionamentos que povoa nossa mente.