Mencionei outro dia Gregório de Matos, que foi juiz e sacerdote, que incursionou poeticamente por nossa mestiçagem mística e erótica, dos desejos, fracassos, alegrias, ilusões, sofrimentos e prazeres, como observou Adriano Espínola. Seu contraponto é o Padre Antonio Vieira. Este na prosa, aquele na poesia. Ambos no século XVII, proclamaram a sua verdade. Não havia mídia, não havia literatura. Só oralidade. Um pregava os seus sermões. O outro declamava suas poesias.
Ambos, porém, influenciavam a conduta dos contemporâneos. Vieira para elevar as almas ao céu. Gregório de Matos para mantê-los vinculados à exuberância, aos apelos e à luxúria da terra. Os dois eram paradoxalmente temidos e admirados. Tiveram de responder à Santa Inquisição, pois geniais. Não hesitavam em afrontar os poderosos e denunciavam falsidade e erro, má conduta e pecado.
Cada qual privilegiava um lado das naturais aspirações humanas. A salvação eterna para uns, o prazer sensual para outros. Em síntese, é ainda Adriano Espínola quem observa, “ambos compartilham barrocamente da mesma danação do verbo e da mesma indignação diante do desconcerto do mundo”.
E o mundo continuou desconcertado. Alguém já encontrou a “era do ócio” prometida para este Século XXI? Onde a paz, a tranquilidade, o tempo de lazer multiplicado, pois as máquinas fariam tudo e nós teríamos oportunidade de exercitar o prazer. Senão com exclusividade, ao menos a maior parte daquilo que nos foge e aceleradamente quando estamos mais próximos à despedida: o tempo, que nos conduz à morte.
Faltam vozes corajosas como as de Gregório de Matos e de Antonio Vieira. Há muita gente a palrar, mas ninguém quer ouvir. Cada qual se embevece com o som da própria voz. A volúpia do excesso de informações deixa a consciência em turbulência permanente. Todos estamos com a cabeça cheia, mas desarrumada. Quando o essencial é ter uma cabeça organizada, embora não repleta.
Gregório, o “boca do inferno”, Vieira, o “boca do céu”, se completavam porque ofereciam o cotejo entre opiniões bem fundamentadas. Hoje a algaravia é a regra, ninguém se entende, cada um fala o que lhe vem à mente e não há mais profetas. A indigência moral da criatura que se considera racional superou todos os parâmetros. Quem devolverá a razão ao ser humano?