Voltemos às utopias

Quem estuda direito logo é iniciado nas Utopias. O nome vem da ficção de Thomas More, escrita em 1516, o inglês coerente que preferiu ficar com sua consciência do que adular Henrique VIII e que por isso perdeu a cabeça. Literalmente. Utopia era a ilha maravilhosa, planejada e feliz. Algo irrealizável.

As demais utopias eram “A Cidade de Deus”, de Santo Agostinho e “A Cidade do Sol”, de Tomaso de Campanella. E por aí ficávamos. Mas existem outras utopias. A Editora Unicamp tem um Centro de Pesquisa sobre Utopia e está relançando algumas obras literárias ainda não vertidas para o português. As duas primeiras são “A Terra Austral Conhecida”, de Gabriel de Foigny e “A Cidade Feliz”, de Francesco Patrizi da Cherso.

Utopia é descrição imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade, ensina-nos Houaiss. Mas isso não significa mera visão ficcional. É uma reflexão bem apropriada aos dias de hoje, tão turbulentos diante da incerteza – a única certeza contemporânea é a incerteza… – e sob ameaça de exaustão da Terra, ante a inclemência do homem.

A tradutora de Foigny, Ana Cláudia Ribeiro, observa ser errado “associar um utópico a uma pessoa desprovida de senso de realidade. Muito pelo contrário, um utopista é alguém plenamente consciente dos problemas e contradições de sua época, tão consciente que consegue transformar reflexão política em literatura”.

Como não sonhar com um mundo melhor do que este? Sem ladroagem, sem corrupção, sem egoísmo, sem destruição da natureza e sem exploração do próximo? Todos os horizontes explorados mostram a indigência moral levada às últimas consequências. Ninguém acredita em ninguém. Nichos que deveriam ser exemplos são sepulcros caiados. O ser humano é a mais rematada prova de que o mal não tem limites.

O utopista é um sonhador. E o sonho é a fuga possível quando as decepções se acumulam e até os mais ingênuos são levados ao completo desalento, ante o egoísmo e insensibilidade do próximo.

Mergulhemos na utopia e tentemos recobrar a esperança moribunda, agônica, que – dizem os doutos – é a última que morre. Mas morre!